Artigo: o livre brincar promove a saúde psicoemocional e o desenvolvimento infantil - Cabeça de Criança

Artigo: o livre brincar promove a saúde psicoemocional e o desenvolvimento infantil



Por Lílian Cristina Moreira *

É só entrar em qualquer shopping para constatar as inúmeras opções de brinquedos e de brincadeiras programadas que existem atualmente à disposição da garotada. São atividades para estimular isso ou aquilo, e, supostamente tornar a criança “mais inteligente”.

Mas afinal, o que é “brincar”? Como disse Walter Benjamin – no livro “Reflexões Sobre a Criança, o Brinquedo e a Educação” – “não há dúvida que brincar significa sempre libertação.”

“Livre brincar” é uma atividade espontânea que dá total liberdade para a criança dar asas à imaginação.

Em contraposição às brincadeiras assistidas/organizadas, onde há diretrizes e regras pré estabelecidas, o “livre brincar” é um convite à criatividade da criança, estimulando-a a experimentar e a buscar o novo, frente a um universo de possibilidades, permitindo que ela se expresse, invente e construa as bases da sua própria brincadeira.

É justamente isso que torna essa modalidade de brincar tão enriquecedora e relevante para a formação da criança. Se engana quem acredita que o livre brincar é uma ação lúdica descompromissada.

Na brincadeira assistida há o compromisso com determinadas regras ou propostas inerentes à própria brincadeira (por exemplo, as regras de um jogo). Já no livre brincar o compromisso é com a imaginação. Livre brincar é ato criativo, similar ao do artista ou ao do escritor. Aqui cabe lembrar um verso de Manoel de Barros na Terceira Infância de suas “Memórias Inventadas”: “Inventei um menino levado da breca para me Ser.”

Assim como a invenção do menino-poeta precede o seu Ser, no livre brincar a invenção da brincadeira precede o ato de brincar. Começa-se a brincar antes da própria brincadeira, pois aqui, brincar é aventurar-se e descobrir-se.

O livre brincar guarda semelhança com o ato da leitura: os livros, por mais que conduzam o leitor em narrativas pré-determinadas, precisam ser preenchidos pela imaginação. Cada leitor imagina a personagem, o desenrolar da ação ou determinada paisagem de forma única, a partir de suas próprias referências. É isso que torna ainda mais complexa a transposição de um livro (versão aberta que insere o leitor) para o cinema (versão fechada que reflete a visão do diretor).

O brincar livre é o momento no qual a criança vai explorar o mundo, criar conexões e aprender experimentando. Além de estimular o cérebro, esta modalidade de brincadeira permite que ela faça ensaios da futura vida adulta (brincar de casinha por exemplo) e elabore questões psicoemocionais, formulando perguntas e encontrando respostas por uma via lúdica. Através da brincadeira a criança experimenta e se insere no mundo.

A despeito de sua importância, o livre brincar é uma modalidade lúdica sob risco de extinção no mundo moderno, pois as crianças de hoje não são mais convidadas a criarem suas próprias narrativas. Ao contrário, são estimuladas à adentrarem narrativas prontas, pré definidas, seja por meio de videogames, programas televisivos, aplicativos de celular etc.

Ao expor excessivamente a criança a essas atividades estamos comprometendo sua capacidade de criar, não somente no que tange ao aspecto lúdico e imaginativo, mas atrofiando sua capacidade de resposta aos inúmeros desafios que certamente a vida irá lhe propor.

Não por acaso proliferam os manuais de autoajuda, com fórmulas prontas que servem a diferentes propósitos, mas não contemplam as especificidades de cada indivíduo.

Para cada criança deveria ser permitido construir seu modo de ser único, de forma a conseguir elaborar suas questões valendo-se de seus próprios recursos e instrumental, resultantes de sua bagagem e experiência.

É preciso sempre lembrar do que disse Tolstói em seu romance de estreia, “Infância”: “Se tomarmos tudo ao pé da letra, não haverá brincadeira nenhuma. E, se não houver brincadeiras, o que é que sobra?”

[1] Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação, pg. 85

[2] Infância. Ed. Todavia. Pg. 52

* Lílian Cristina Moreira é médica pediatra e homeopata

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